sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Nos primórdios do Rugby da AAC


Foram tempos noutro tempo. Cismava-se hoje, fazia-se “ontem”. Vinha-se para Coimbra porque não havia mais sítio nenhum para onde ir. O rugby veio também. Trouxe-o a rapaziada de Lisboa. Os que já cá estavam não acharam piada nenhuma a esse facto. De Lisboa só a estrada para Coimbra, diziam!

Estava-se no ano de 1955 quando foi criada a Secção de Rugby da AAC. Nós chegamos três anos depois. Andávamos no atletismo, já tínhamos andado no futebol e como tínhamos fama de brutamontes vieram buscar-nos.

Volvidos mais de cinquenta anos, ainda hoje, não distinguimos o que nos fascinou, se o jogo se as ambiências. O que sabemos é que o fetiche se mantém.

Não professamos o criacionismo e, talvez por isso, cedo compreendemos que o Rugby da AAC ou era uma emanação dos seus membros, em permanente luta pela existência e pela selecção natural do seu projecto ou se quedava numa mera secção desportiva da AAC.

Companheiros, amigos, e solidários foi a tríade que nos empolgou a treinar, a jogar, a dirigir e a “eferrear”, ao ponto, de lá, ainda hoje, velhos e novos jantarem juntos todas as sextas-feiras (agora no Telheiro) e de dois em dois anos irmos a Paris ver o França – Gales.

Jogava-se o jogo como se sabia e podia no Campo de Santa Cruz que “deus haja”. Só ganhámos, a primeira vez, por 18 – 0 ao Futebol Benfica em 1962 na inauguração do Estádio Universitário.

O prazer do jogo suplantava tudo o resto. Ali ninguém se encolhia. Cada um afirmava o que tinha e o que não tinha. Não é por acaso que o rugby é a única actividade em que as pessoas se encontram, em todas as outras, evitam-se. Ninguém recorria ao sofisma de que “a minha política é o trabalho”.

Ali na Secção de Rugby não havia “outsideres”. Éramos todos do mesmo, mesmo quando diferentes. Não ficávamos indiferentes às crises académicas e em 62 e 69 foi mesmo a doer: porrada e greves.

As solicitações éramos nós que as criávamos e quando não havia onde e como, inventámos o Rugby Clube em 1971. Nessa, fomos mesmo pioneiros aqui e além mundo, não sem que já em 1970, no lendário ano do XV aniversário da Secção, tivéssemos tomado e convertido em “Club House” a Clepsidra, não esta, mas a antecessora (Cooperativa Abastecedora da Lusa – Atenas) sedeada no mesmo local, para aí esfrangalharmos até às tantas, sempre que nos aprestavamos a tal.

Em 1960, chega a Coimbra o Professor José Brun e com ele opera-se a primeira modernidade no rugby da AAC. Até então o rugby era tido pelo regime como modalidade marcial, só permitida a sua prática a maiores de 19 anos. Salazar além de pacóvio, que sempre foi, era obstruto, até da sombra tinha medo.

Foi assim que logo em 61 a AAC apresentasse duas equipas seniores, para, a partir daí, e logo que permitido, os juniores em 63, os juvenis em 64, os iniciados em 69, idem para os infantis e benjamins e nos nossos dias os bambis.

Foi assim que a Secção alicerçou a sua construção e foi assim que embrenhado quanto bastou recolhi desses tempos e de esse outro tempo, os conhecimentos, as influências e mesmo as opções que na vida me fizeram regressar às origens matriciais da “malta do rugby da AAC” – Companheiros, Amigos e Solidários.

A história nunca se repete mas as estórias que a fizeram são referências que marcam o porvir. A Secção de Rugby da AAC é, ainda hoje, uma emanação desses “modus vivendi” e desses “modus faciendi” a que mais de meio século de existência, não puseram cobro. Nas situações em que não foi “flor de cheiro”, reagiu aos corpos estranhos, expeli-os e estabilizou emocionalmente recorrendo aos membros do próprio corpo.


Pós scriptum

Não sei se os modos como foi abordada esta invocação foram os mais ajustados ao objecto que a publicação persegue. Talvez não! O normal é que optasse por uma alusão formatada, relatando factos e entoando loas numerárias aos aconteceres. Não o fizemos, nem sei se alguma vez o faremos. A vida está cheia disso: quando se tem dinheiro compra-se e tem-se, quando não se tem embasbaca-se e esvai-se.

Há vida para além do deve e do haver. O Rugby da AAC foi para nós, o “leitmotiv” desse preenchimento.

A Secção ostenta todos os títulos desportivos que se podem ambicionar mas do que ela mais tem que orgulhar-se é de ser uma “malta dos camandros”.


Por
Manuel da Costa/Manuel da Quinta

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

impressionantemente notavel este escrito!!
obrigado malta

sexta-feira, fevereiro 29, 2008 5:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Que saudade desta gente....

sexta-feira, fevereiro 29, 2008 6:17:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Espectacular!!!

domingo, março 02, 2008 8:06:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

isto merece muito mais do que estar num blog!

domingo, março 02, 2008 8:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

o que é que se passa com vocês?será que só mostramos união quando é para falar mal de alguém?
este é o melhor texto de sempre neste blog!obrigado por partilharem isto connosco!BRUTAL!!!

segunda-feira, março 03, 2008 11:16:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bem do Manel não seria de esperar outra coisa, foi e é com malta desta que a secção cresce parabéns!

terça-feira, março 04, 2008 5:48:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bem do Manel não seria de esperar outra coisa, foi e é com malta desta que a secção cresce parabéns!

terça-feira, março 04, 2008 5:48:00 da tarde  
Blogger fv said...

Já tudo foi dito e eu subscrevo...agora sim dá gosto visitar esta página.
Um forte abraço ao Manuel, exemplo do saber, da amizade que sempre transmitiu aos mais jovens. Aguardo neste espaço além das noticias da Secção e do Rugby, outros escritos da Malta.

quarta-feira, março 05, 2008 10:37:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

"A Secção ostenta todos os títulos desportivos que se podem ambicionar mas do que ela mais tem que orgulhar-se é de ser uma “malta dos camandros”."

é um orgulho ter pertencido e para sempre pertencer a algo maior que nós, à malta!

quinta-feira, março 06, 2008 8:26:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Isto assim não tem graça nenhuma, textinhos queridos!oh, voltem la as discussoes dos seniores com os juniores e dos juvenis com os roupeiros que isso é que tem piada. va la , nao custa nada fazer a "malta do camandro" aqui de Lisboa rir um bocado.
Fica o apelo, grande abraço.

sexta-feira, março 07, 2008 9:12:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Qual camoes qual quê!!

grande manuel....

este homem, dito pelo pp, so perdeu mais do q ganhou ao cdul de lisboa!!

forta abr

segunda-feira, março 10, 2008 7:50:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Grande Manel QUE ATÉ OS DE lISBOA TEM APRECIAM E RESPEITAM!!!

terça-feira, março 25, 2008 12:13:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Fantástico, impressionante testemunho vivo!

Estou ligado à Secção de Andebol da AAC e revejo na minha modalidade este mesmo espírito.

Parabéns e força Rugby!

Luís Marçal (http://www.desportocoimbra.com)

quarta-feira, setembro 03, 2008 6:57:00 da tarde  

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