Foram tempos noutro tempo. Cismava-se hoje, fazia-se “ontem”. Vinha-se para Coimbra porque não havia mais sítio nenhum para onde ir. O rugby veio também. Trouxe-o a rapaziada de Lisboa. Os que já cá estavam não acharam piada nenhuma a esse facto. De Lisboa só a estrada para Coimbra, diziam!
Estava-se no ano de 1955 quando foi criada a Secção de Rugby da AAC. Nós chegamos três anos depois. Andávamos no atletismo, já tínhamos andado no futebol e como tínhamos fama de brutamontes vieram buscar-nos.
Volvidos mais de cinquenta anos, ainda hoje, não distinguimos o que nos fascinou, se o jogo se as ambiências. O que sabemos é que o fetiche se mantém.
Não professamos o criacionismo e, talvez por isso, cedo compreendemos que o Rugby da AAC ou era uma emanação dos seus membros, em permanente luta pela existência e pela selecção natural do seu projecto ou se quedava numa mera secção desportiva da AAC.
Companheiros, amigos, e solidários foi a tríade que nos empolgou a treinar, a jogar, a dirigir e a “eferrear”, ao ponto, de lá, ainda hoje, velhos e novos jantarem juntos todas as sextas-feiras (agora no Telheiro) e de dois em dois anos irmos a Paris ver o França – Gales.
Jogava-se o jogo como se sabia e podia no Campo de Santa Cruz que “deus haja”. Só ganhámos, a primeira vez, por 18 – 0 ao Futebol Benfica em 1962 na inauguração do Estádio Universitário.
O prazer do jogo suplantava tudo o resto. Ali ninguém se encolhia. Cada um afirmava o que tinha e o que não tinha. Não é por acaso que o rugby é a única actividade em que as pessoas se encontram, em todas as outras, evitam-se. Ninguém recorria ao sofisma de que “a minha política é o trabalho”.
Ali na Secção de Rugby não havia “outsideres”. Éramos todos do mesmo, mesmo quando diferentes. Não ficávamos indiferentes às crises académicas e em 62 e 69 foi mesmo a doer: porrada e greves.
As solicitações éramos nós que as criávamos e quando não havia onde e como, inventámos o Rugby Clube em 1971. Nessa, fomos mesmo pioneiros aqui e além mundo, não sem que já em 1970, no lendário ano do XV aniversário da Secção, tivéssemos tomado e convertido em “Club House” a Clepsidra, não esta, mas a antecessora (Cooperativa Abastecedora da Lusa – Atenas) sedeada no mesmo local, para aí esfrangalharmos até às tantas, sempre que nos aprestavamos a tal.
Em 1960, chega a Coimbra o Professor José Brun e com ele opera-se a primeira modernidade no rugby da AAC. Até então o rugby era tido pelo regime como modalidade marcial, só permitida a sua prática a maiores de 19 anos. Salazar além de pacóvio, que sempre foi, era obstruto, até da sombra tinha medo.
Foi assim que logo em 61 a AAC apresentasse duas equipas seniores, para, a partir daí, e logo que permitido, os juniores em 63, os juvenis em 64, os iniciados em 69, idem para os infantis e benjamins e nos nossos dias os bambis.
Foi assim que a Secção alicerçou a sua construção e foi assim que embrenhado quanto bastou recolhi desses tempos e de esse outro tempo, os conhecimentos, as influências e mesmo as opções que na vida me fizeram regressar às origens matriciais da “malta do rugby da AAC” – Companheiros, Amigos e Solidários.
A história nunca se repete mas as estórias que a fizeram são referências que marcam o porvir. A Secção de Rugby da AAC é, ainda hoje, uma emanação desses “modus vivendi” e desses “modus faciendi” a que mais de meio século de existência, não puseram cobro. Nas situações em que não foi “flor de cheiro”, reagiu aos corpos estranhos, expeli-os e estabilizou emocionalmente recorrendo aos membros do próprio corpo.
Pós scriptum
Não sei se os modos como foi abordada esta invocação foram os mais ajustados ao objecto que a publicação persegue. Talvez não! O normal é que optasse por uma alusão formatada, relatando factos e entoando loas numerárias aos aconteceres. Não o fizemos, nem sei se alguma vez o faremos. A vida está cheia disso: quando se tem dinheiro compra-se e tem-se, quando não se tem embasbaca-se e esvai-se.
Há vida para além do deve e do haver. O Rugby da AAC foi para nós, o “leitmotiv” desse preenchimento.
A Secção ostenta todos os títulos desportivos que se podem ambicionar mas do que ela mais tem que orgulhar-se é de ser uma “malta dos camandros”.
Por
Manuel da Costa/Manuel da Quinta